terça-feira, 30 de maio de 2017

Expansão marítima europeia

Não é possível compreender os processos da formação social, política e econômica do Brasil sem inseri-los no contexto da expansão comercial marítima europeia do século XV. Após a centralização do poder, no final da Idade Média, Portugal foi governado, por mais de duzentos anos, pela dinastia de Borgonha, desenvolvendo-se economicamente devido à agricultura e ao comércio, o que favoreceu o fortalecimento de uma burguesia poderosa e dinâmica. 

Com a morte de Fernando I, em 1383, a dinastia de Borgonha chegou ao fim. Sem deixar herdeiros do sexo masculino, a rainha D. Leonor Teles assume o poder em caráter de regência, pretendendo entregá-lo à sua filha Beatriz, casada com o rei de Castela, que em nome das antigas relações de parentesco reivindicou o direito à sucessão do trono português. A sociedade portuguesa ficou dividida: de um lado a nobreza, interessada nos privilégios que poderia obter com a unificação, camada social essa que contou com o apoio do rei de Castela; e de outro a burguesia, que, juntamente com as camadas populares, não aceitava a referida união, pois desejava permanecer independente e sob o mando de um rei que apoiasse o crescimento comercial. Dessa forma, impulsionada por esse desejo, a fortalecida burguesia aliou-se a D. João, irmão bastardo do falecido rei D. Fernando e Mestre da Cavalaria de Avis, e tomaram o poder. A ascensão de uma nova dinastia, apoiada  no poder da burguesia, ficou historicamente conhecida como Revolução de Avis (1383-1385), evento que iniciou um novo período na história mundial (HOLANDA, 2004, p. 15).

O poder da nova dinastia, como já destacamos, consolidou-se a partir da aliança com a burguesia que, juntamente, com o apoio da Igreja Católica e dos conhecimentos náuticos acumulados devido às atividades pesqueiras facilitadas pela proximidade ao mar, Portugal reunia pontos favoráveis à expansão marítima. Esses fatores atribuíram a Portugal o pioneirismo nas Grandes Navegações. 

Para melhor compreensão, podemos dividir a expansão marítima portuguesa em duas fases: a primeira estende-se de 1415 a 1488 e é conhecida como Périplo africano, devido a conquista do centro comercial de Ceuta, no norte da África e à descoberta do Cabo das Tormentas, que abriria caminho para as Índias; a segunda fase, também chamada de Oriental, abrange o período entre 1488 e 1530; indica o quadro mais marcante do processo de expansão, pois culminou na descoberta, por Vasco da Gama, de um novo caminho para o Oriente, desejo antigo de Portugal. Durante essa segunda fase os portugueses pisaram pela primeira, oficialmente, em solos brasileiros, pois a expedição comandada por Pedro Álvares Cabral fez parte do tão sonhado projeto de conquista do Oriente. 

Com relação à chegada dos portugueses ao Brasil, é pertinente lembrarmos as controvérsias existentes em torno desse acontecimento, porque muitos historiadores contestam a ideia de que os portugueses chegaram ao Brasil por “acaso”, uma vez que o Tratado de Tordesilhas, definido em 1494, mencionava que Portugal tomaria posse das terras que o Tratado lhe confiava. Assim, essa corrente historiográfica afirma que Portugal supunha, ou sabia, que as terras existiam, explicitando a luta pelo Tratado de Tordesilhas.
(...) Seja como for, os indícios mais ou menos vagos de crença na existência de terras ocidentais já antes da jornada de Pedro Alvarez Cabral ainda não bastam para atestar seguramente o seu conhecimento. (...) certamente com mais razão, cabe dizer do resultado da análise da carta de Pero Vaz de Caminha pelos que defendem a qualquer preço a tese da intencionalidade do “descobrimento” do Brasil em 1500. Embora nesse documento, a mais meticulosa dentre as fontes primárias que se conhecem acerca do descobrimento, o autor começasse por transmitir expressamente a Sua Alteza a nova do achamento “desta vossa terra nova que nesta navegação agora se achou”, não tem faltado quem visse na própria expressão “achamento” prova decisiva de que o encontro da terra não fora acidental. Pretendeu-se que, na linguagem quinhentista, a palavra “descobrimento” bem pode sugerir encontro fortuito, ao passo que o vocábulo “achamento” aponta forçosamente para a intencionalidade. Só se “acha”, segundo essa opinião, aquilo que antes se procura (...) (HOLANDA, 2004, p. 44).
 Para outra corrente historiográfica, os indícios a esse respeito não bastam para comprovar a tese de que os lusitanos tenham chegado aqui por obra do acaso; no entanto, não descartam completamente essa possibilidade. 
Desde o século XIX, vem se discutindo que a chegada dos portugueses ao Brasil foi obra do acaso, sendo produzida pelas correntes marítimas, ou se já havia conhecimento anterior do Novo Mundo e uma espécie de missão secreta para que Cabral tomasse o rumo do ocidente. Tudo indica que a expedição se destinava efetivamente às Índias. Isso não elimina a probabilidade de navegantes europeus, sobretudo portugueses, terem frequentado a costa do Brasil antes de 1500 (FAUSTO, 2001, p. 14).
Enfim, posteriormente à chegada da esquadra portuguesa, a nova localidade permaneceu em segundo plano, pois, como está claro na carta de Caminha, não havia indicações da existência de ouro e pedras preciosas. Além da ausência de “preciosidades”, a população aqui existente praticava atividades agrícolas de subsistência e não necessitava de produtos importados vendidos pelos portugueses. As florestas, os indígenas, os perigos apresentados pelo desconhecido e os gastos com as navegações pelo Atlântico tornaram a exploração bastante restrita durante os primeiros anos que se seguiram ao “encontramento ”.


Efetivamente, a expansão ultramarina européia, que se inaugura com os descobrimentos portugueses no século XV, significou, na primeira fase digamos pré-colonizadora, uma extraordinária redefinição da geografia econômica do ocidente pela abertura de novos mercados, montagem de novas rotas, conquista monopolista de novas linhas para a circulação econômica internacional; já na sua gênese, este movimento expansionista revela suas relações profundas com o Estado moderno em formação. Assim, enquanto tradicionalmente se procurava explicar os descobrimentos ultramarinos em função de fatores externos, extraeuropeus, a colocação moderna do problema encara a expansão ultramarina como produto das “condições particulares dos próprios países atlânticos”, isto é, são os problemas da economia da Europa Ocidental que levam ao esforço para a abertura de novas frentes de expansão comercial e à abertura de novos mercados – a expansão atlântica apresenta-se, de fato, como forma de “superação da crise” europeia do fim da Idade Média. (...)

Esta primeira fase da expansão europeia consistiu, basicamente, na abertura de novos mercados e no estabelecimento de condições vantajosas para a realização deste comércio ultramarino; acelerava-se, assim, a acumulação capitalista na Europa. Mas, no processo de expansão, como é sabido, os europeus acabaram por descobrir (ou redescobrir) o Novo Mundo; aqui as condições diferiam radicalmente daquelas encontradas no Oriente: seria impossível prosseguir na exploração puramente comercial do ultramar, dado que inexistia nesta parte a produção organizada de produtos que interessassem ao mercado europeu. (...) 

Efetivamente inserida no contexto mais geral do antigo regime, isto é, no contexto da política mercantilista do capitalismo comercial executada pelo Estado absolutista, a colonização da época moderna revela, nos traços essenciais, seu caráter mercantil e capitalista; queremos dizer, os empreendimentos colonizadores se promovem e se realizam com vistas, sim, ao mercado europeu, mas, considerando a etapa em que isto se dá, a economia europeia assimila esses estímulos coloniais, acelerando a acumulação primitiva por parte da burguesia comercial.

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