terça-feira, 30 de maio de 2017

A ética do justo meio

A conceituação aristotélica da felicidade como a vida racional virtuosa, o bem supremo do homem que se concretiza na sociedade política, não deve nos conduzir à falsa conclusão de que o filósofo preconiza um controle repressivo da razão sobre as inclinações irracionais da alma humana. Ao contrário, Aristóteles não apenas reconhece a importância dos apetites e das paixões na vida dos homens, como atribui ao desejo uma condição motriz no ser humano: os homens são seres desejantes cujas ações visam sempre a um fim agradável ou não doloroso. Aproximando-se naturalmente do que promete prazer e evitando o que acena com a dor, os homens revelam sua semelhança com os animais. Porém, relacionando-se adequadamente com o prazer e a dor, afirmam-se como seres virtuosos.

O homem virtuoso não ignora o prazer e a dor, estabelecendo, isto sim, uma relação racional com ambos, pela qual experimenta os sentimentos certos nas ocasiões pertinentes. Ao invés do conflito entre razão e desejo, temos a confluência de ambos, de tal modo que não se deseja nada além daquilo que é condizente com a finalidade da vida, ou seja, sente-se prazer em agir virtuosamente. 

Nessa perspectiva, o filósofo situa a mediania moral como ponderação entre os extremos, localizando o vício na carência e no excesso. O vício é o contrário da virtude. Enquanto esta é a excelência moral, o que, em Aristóteles, consiste na vida racional do homem em sociedade, o vício é a imoralidade do homem. Como vimos, de acordo com a filosofia moral aristotélica, o bem situa-se sempre na natureza, é conforme o que é natural, e o mal é o que se desvia do que é prescrito pela natureza. Assim, se a finalidade natural humana é a existência racional, o homem que se movimenta somente pelas paixões perverte sua natureza, enredando-se nos vícios.

A mediania ou, como é mais conhecida, a ética do justo meio corresponde ao ajuste entre a intensidade dos sentimentos experimentados pelos indivíduos e as exigências apresentadas pelas situações. Portanto, dentre as virtudes enumeradas por Aristóteles, estão a coragem, a generosidade, a brandura, a espirituosidade e a moderação, que são termos médios, respectivamente entre temeridade e covardia, prodigalidade e mesquinhez, irascibilidade e desalento, bufonaria e indelicadeza, e desregramento e insensibilidade.

A coragem é a virtude do homem que teme as situações que, de fato, devem ser temidas, por apresentarem riscos desnecessários para si e para as pessoas de sua comunidade, mas que não hesita em enfrentar os perigos quando as circunstâncias exigem tal postura para a preservação do bem comum. O covarde, por sua vez, a tudo teme, aterrorizando-se com quaisquer ameaças, ainda que sejam mínimas ou improváveis. Na outra extremidade, o temerário excede-se em ousadia, expondo-se a toda sorte de situações adversas e comprometendo a própria finalidade da vida ou, o que é pior, muitas vezes fazendo questão de exibir uma coragem que sequer sente. 

Justa medida igualmente é a generosidade, que consiste no uso apropriado dos recursos financeiros em benefício das pessoas que necessitam e que têm merecimento para tanto. O generoso dispõe suas riquezas ao bem comum nas ocasiões certas, sem negar aos outros auxílios ao alcance de suas possibilidades e sem se desfazer de seu patrimônio em gastos supérfluos. Na deficiência da generosidade existe a mesquinhez, o apreço exagerado aos valores econômicos, impedindo a cessão de dinheiro em circunstâncias que justificariam as doações. Em sentido oposto age quem é tomado pela prodigalidade, que desperdiça seus bens materiais utilizando-os sem critérios, frequentemente empregando-os com pessoas e situações impróprias, ou mesmo em quantidades que ultrapassam largamente sua base financeira. 

A brandura, por seu turno, é a virtude relativa à ira. O homem brando sente cólera nas ocasiões que assim o exigem, quando, por exemplo, alguém de sua estima é vítima de uma injustiça, manifestando-a de modo ponderado e sem inclinar-se a procedimentos vingativos. Desalento e irascibilidade são os vícios dessa paixão. No primeiro caso, constata-se a indisposição de indignar-se ante quaisquer situações, por mais absurdas ou agressivas que sejam. No segundo caso, a cólera assume proporções descontroladas e não diferencia os acontecimentos que realmente a solicitam daqueles em que esse sentimento é inoportuno, estendendo-se ainda para além dos momentos em que a ensejam e, comumente, resultando em ações profundamente ofensivas.

A espirituosidade é o meio termo entre a indelicadeza e a bufonaria. Indelicado é quem não reage educadamente em encontros sociais de entretenimento, persistindo em um mau humor explícito nas mais descontraídas conversações. O bufão, por outro lado, destaca-se por valer-se de sua irreverência com o propósito de chamar a atenção para si, fazendo de tudo objeto de diversão e, com isso, tornando seu humor desmedido e sua presença inconveniente. Nessas questões, é o espirituoso quem procede com mediania (equilíbrio), conduzindo-se de maneira bem-humorada e divertindo-se com outros nas ocasiões que favorecem a descontração sem o risco da vulgaridade. 

A moderação ou temperança, por fim, concerne aos prazeres do corpo – bebida, alimentação, sexualidade –, aos apetites que são comuns aos seres humanos e aos animais em geral. Remetem, portanto, claramente às relações entre razão e desejo sob o prisma aristotélico da virtude, pois a moderação pode ser definida justamente como a harmonização do desejo com a racionalidade, na qual os prazeres são vividos na intensidade e nas ocasiões oportunas, sem carências ou excessos. Uma vida pervertida nos prazeres corporais excessivos incorre no vício do desregramento, pelo qual o homem mistura-se à animalidade. Uma vida que despreza completamente os prazeres corporais – situação muito rara, segundo Aristóteles – é acometida de uma insensibilidade que nega a própria natureza humana.


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