terça-feira, 30 de maio de 2017

A linguagem

A linguagem pode ser entendida como a capacidade que todo ser humano tem de se comunicar, constituindo todo sistema de sinais ou signos convencionais que nos permite a comunicação. 

Os signos são os sinais que os seres humanos produzem quando se comunicam. Ao falar ou escrever, por exemplo, você está usando o signo linguístico. O signo representa algo que não está presente. Assim, os signos são usados para designar ou significar alguma coisa. Mais adiante, você aprenderá um pouco mais sobre as características do signo linguístico. 

A linguagem humana pode ser verbal e não verbal. A linguagem verbal se vale da palavra, seja escrita ou falada. A linguagem não verbal é aquela que utiliza um tipo de código diferente da palavra. É o caso das imagens, dos ícones, dos gestos, das cores, dos sons etc. 

Pode-se dizer que a língua (falada ou escrita) é uma linguagem humana específica, baseada na palavra. Dito de outra forma, a língua é a linguagem verbal. Assim, a língua é um tipo de linguagem humana. Por outro lado, é possível afirmar que a música, a pintura, a dança, o teatro, o cinema e outras expressões são um tipo de linguagem humana, por isso é possível se referir à linguagem musical, linguagem corporal, linguagem pictórica e por aí em diante. 

Ao se fazer a distinção entre linguagem verbal e não verbal, é preciso lembrar que a comunicação se dá por meio do uso dos dois tipos de linguagem. Ao falar com alguém ou discursar para determinado público, provavelmente, você fará uso da linguagem verbal (a fala) e também da linguagem não verbal (gestos, postura corporal, tom da voz, recursos visuais etc.). 

A linguagem, seja ela verbal ou não verbal, pode ser entendida como uma forma de expressar intenções sentimentos, intenções, vontades, ordens, pedidos etc. Essa expressão por meio da linguagem pode até não levar muito em conta o outro, ou seja, negligenciar o receptor ou interlocutor, já que é possível haver intenção e preocupação centradas apenas na expressão, na exteriorização de algo. Por isso, a linguagem também precisa ser entendida como um instrumento de comunicação. Isso quer dizer que a linguagem deve ser vista como um código que permite a comunicação, o diálogo, com a participação de emissor e receptor. É possível, porém, avançar um pouco mais na compreensão da linguagem e perceber que ela é mais do que tradução e exteriorização do pensamento e, também, vai além da transmissão de informação ou da comunicação.

Ao usar a linguagem, o indivíduo é um sujeito que realiza ações, age, atua sobre o interlocutor. A linguagem é um “lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico” (TRAVAGLIA, 2003, p. 23). A linguagem, desse modo, é uma experiência de interação social. Nesse caso, ganha importância quem fala ou escreve; para quem se está escrevendo; de que modo o texto foi escrito; quais as intenções do autor do texto; de que forma o leitor interpretará o que está escrito; que consequências o texto pode trazer etc.

Tratando especificamente da linguagem verbal, a própria língua, é preciso destacar que um importante linguista, Ferdinand Saussure (1969, p. 24), afirmou que a língua é um sistema de signos que exprimem ideias. Lembrando o que foi dito anteriormente, o signo está relacionado com o fato de alguma coisa estar no lugar de outra, ou seja, uma coisa substitui outra no processo comunicativo, desencadeando a ideia de representação. Assim, quando eu digo “Fogo!”, não vou literalmente me queimar por ter essa palavra em meus lábios, nem sentirei algum ardor físico em minha língua por pronunciar esse vocábulo. A palavra “fogo” representa algo, refere-se a determinado elemento que nós denominamos, na língua portuguesa, como “fogo”. 

Desse modo, os signos são artificiais porque são elaborados especialmente para a comunicação e são representativos porque substituem o “objeto a conhecer apresentando-o aos indivíduos” (BORBA, 1998, p. 18). 

Para Saussure, o signo linguístico é composto de dois elementos ou uma dupla face: significante e significado. Saussure chamou de significante a parte sensível, concreta e material do signo linguístico e denominou de significado a parte imaterial e não sensível do signo linguístico. Assim, o signo linguístico transmite uma informação valendo-se de uma parte material, sensível e perceptível associada a outra parte imaterial e inteligível. 

Pode-se dizer, então, que “o signo linguístico é uma unidade constituída pela união de um conteúdo com uma expressão (os sons) que o veicula. A essa expressão chama-se significante; ao conteúdo, significado”.  Ao se unir um significante a um significado, tem-se um signo denotado (denotação); quando se junta a esse primeiro significado um segundo sentido ou significado, tem-se um signo conotado (conotação) (PLATÃO & FIORIN, 2003, p. 157). 

Expansão marítima europeia

Não é possível compreender os processos da formação social, política e econômica do Brasil sem inseri-los no contexto da expansão comercial marítima europeia do século XV. Após a centralização do poder, no final da Idade Média, Portugal foi governado, por mais de duzentos anos, pela dinastia de Borgonha, desenvolvendo-se economicamente devido à agricultura e ao comércio, o que favoreceu o fortalecimento de uma burguesia poderosa e dinâmica. 

Com a morte de Fernando I, em 1383, a dinastia de Borgonha chegou ao fim. Sem deixar herdeiros do sexo masculino, a rainha D. Leonor Teles assume o poder em caráter de regência, pretendendo entregá-lo à sua filha Beatriz, casada com o rei de Castela, que em nome das antigas relações de parentesco reivindicou o direito à sucessão do trono português. A sociedade portuguesa ficou dividida: de um lado a nobreza, interessada nos privilégios que poderia obter com a unificação, camada social essa que contou com o apoio do rei de Castela; e de outro a burguesia, que, juntamente com as camadas populares, não aceitava a referida união, pois desejava permanecer independente e sob o mando de um rei que apoiasse o crescimento comercial. Dessa forma, impulsionada por esse desejo, a fortalecida burguesia aliou-se a D. João, irmão bastardo do falecido rei D. Fernando e Mestre da Cavalaria de Avis, e tomaram o poder. A ascensão de uma nova dinastia, apoiada  no poder da burguesia, ficou historicamente conhecida como Revolução de Avis (1383-1385), evento que iniciou um novo período na história mundial (HOLANDA, 2004, p. 15).

O poder da nova dinastia, como já destacamos, consolidou-se a partir da aliança com a burguesia que, juntamente, com o apoio da Igreja Católica e dos conhecimentos náuticos acumulados devido às atividades pesqueiras facilitadas pela proximidade ao mar, Portugal reunia pontos favoráveis à expansão marítima. Esses fatores atribuíram a Portugal o pioneirismo nas Grandes Navegações. 

Para melhor compreensão, podemos dividir a expansão marítima portuguesa em duas fases: a primeira estende-se de 1415 a 1488 e é conhecida como Périplo africano, devido a conquista do centro comercial de Ceuta, no norte da África e à descoberta do Cabo das Tormentas, que abriria caminho para as Índias; a segunda fase, também chamada de Oriental, abrange o período entre 1488 e 1530; indica o quadro mais marcante do processo de expansão, pois culminou na descoberta, por Vasco da Gama, de um novo caminho para o Oriente, desejo antigo de Portugal. Durante essa segunda fase os portugueses pisaram pela primeira, oficialmente, em solos brasileiros, pois a expedição comandada por Pedro Álvares Cabral fez parte do tão sonhado projeto de conquista do Oriente. 

Com relação à chegada dos portugueses ao Brasil, é pertinente lembrarmos as controvérsias existentes em torno desse acontecimento, porque muitos historiadores contestam a ideia de que os portugueses chegaram ao Brasil por “acaso”, uma vez que o Tratado de Tordesilhas, definido em 1494, mencionava que Portugal tomaria posse das terras que o Tratado lhe confiava. Assim, essa corrente historiográfica afirma que Portugal supunha, ou sabia, que as terras existiam, explicitando a luta pelo Tratado de Tordesilhas.
(...) Seja como for, os indícios mais ou menos vagos de crença na existência de terras ocidentais já antes da jornada de Pedro Alvarez Cabral ainda não bastam para atestar seguramente o seu conhecimento. (...) certamente com mais razão, cabe dizer do resultado da análise da carta de Pero Vaz de Caminha pelos que defendem a qualquer preço a tese da intencionalidade do “descobrimento” do Brasil em 1500. Embora nesse documento, a mais meticulosa dentre as fontes primárias que se conhecem acerca do descobrimento, o autor começasse por transmitir expressamente a Sua Alteza a nova do achamento “desta vossa terra nova que nesta navegação agora se achou”, não tem faltado quem visse na própria expressão “achamento” prova decisiva de que o encontro da terra não fora acidental. Pretendeu-se que, na linguagem quinhentista, a palavra “descobrimento” bem pode sugerir encontro fortuito, ao passo que o vocábulo “achamento” aponta forçosamente para a intencionalidade. Só se “acha”, segundo essa opinião, aquilo que antes se procura (...) (HOLANDA, 2004, p. 44).
 Para outra corrente historiográfica, os indícios a esse respeito não bastam para comprovar a tese de que os lusitanos tenham chegado aqui por obra do acaso; no entanto, não descartam completamente essa possibilidade. 
Desde o século XIX, vem se discutindo que a chegada dos portugueses ao Brasil foi obra do acaso, sendo produzida pelas correntes marítimas, ou se já havia conhecimento anterior do Novo Mundo e uma espécie de missão secreta para que Cabral tomasse o rumo do ocidente. Tudo indica que a expedição se destinava efetivamente às Índias. Isso não elimina a probabilidade de navegantes europeus, sobretudo portugueses, terem frequentado a costa do Brasil antes de 1500 (FAUSTO, 2001, p. 14).
Enfim, posteriormente à chegada da esquadra portuguesa, a nova localidade permaneceu em segundo plano, pois, como está claro na carta de Caminha, não havia indicações da existência de ouro e pedras preciosas. Além da ausência de “preciosidades”, a população aqui existente praticava atividades agrícolas de subsistência e não necessitava de produtos importados vendidos pelos portugueses. As florestas, os indígenas, os perigos apresentados pelo desconhecido e os gastos com as navegações pelo Atlântico tornaram a exploração bastante restrita durante os primeiros anos que se seguiram ao “encontramento ”.


Efetivamente, a expansão ultramarina européia, que se inaugura com os descobrimentos portugueses no século XV, significou, na primeira fase digamos pré-colonizadora, uma extraordinária redefinição da geografia econômica do ocidente pela abertura de novos mercados, montagem de novas rotas, conquista monopolista de novas linhas para a circulação econômica internacional; já na sua gênese, este movimento expansionista revela suas relações profundas com o Estado moderno em formação. Assim, enquanto tradicionalmente se procurava explicar os descobrimentos ultramarinos em função de fatores externos, extraeuropeus, a colocação moderna do problema encara a expansão ultramarina como produto das “condições particulares dos próprios países atlânticos”, isto é, são os problemas da economia da Europa Ocidental que levam ao esforço para a abertura de novas frentes de expansão comercial e à abertura de novos mercados – a expansão atlântica apresenta-se, de fato, como forma de “superação da crise” europeia do fim da Idade Média. (...)

Esta primeira fase da expansão europeia consistiu, basicamente, na abertura de novos mercados e no estabelecimento de condições vantajosas para a realização deste comércio ultramarino; acelerava-se, assim, a acumulação capitalista na Europa. Mas, no processo de expansão, como é sabido, os europeus acabaram por descobrir (ou redescobrir) o Novo Mundo; aqui as condições diferiam radicalmente daquelas encontradas no Oriente: seria impossível prosseguir na exploração puramente comercial do ultramar, dado que inexistia nesta parte a produção organizada de produtos que interessassem ao mercado europeu. (...) 

Efetivamente inserida no contexto mais geral do antigo regime, isto é, no contexto da política mercantilista do capitalismo comercial executada pelo Estado absolutista, a colonização da época moderna revela, nos traços essenciais, seu caráter mercantil e capitalista; queremos dizer, os empreendimentos colonizadores se promovem e se realizam com vistas, sim, ao mercado europeu, mas, considerando a etapa em que isto se dá, a economia europeia assimila esses estímulos coloniais, acelerando a acumulação primitiva por parte da burguesia comercial.

Ética filosófico e os problemas éticos

Estudar o ser humano é lançar-se sobre um imenso labirinto de definições e possibilidades de interpretações. Paralelamente, diante deste tema identificam-se inúmeras facetas, e dentre estas se destaca a dimensão simbólica.

O homem, desde que percebeu a sua consciência diante do mundo, busca se autoconhecer e se questiona, então, sobre sua própria capacidade. De outro modo, como se estabeleceria o processo do conhecimento? Aliás, o que é o conhecimento? Como é possível definir um objeto? Para estes questionamentos direciona-se a análise deste capítulo, que busca identificar no ser humano toda a sua atividade simbolizadora, que constrói e estabelece paradigmas morais, sociais, políticos, religiosos, enfim, modelos  significativos e organizadores de inúmeras culturas. 

Por meio do contato entre consciência e mundo externo, o homem traz para a realidade a sua atividade simbólica, presente em sua existência há muito tempo. Talvez por isso esta dimensão seja uma das mais evidentes e possíveis de ser interpretada ou estudada. Em contato com esta relação, o homem recria a sua realidade, estabilizando formas e valores que antes eram despercebidos. Esta dimensão simbólica é exercida como um potente mecanismo catártico e passa a ser desenhada por meio de símbolos e significações de grande valor expressivo para a própria realidade e subjetividade autorrealizadora. 

Dentro desse processo de significação, pedagogicamente encontram-se subdivididas duas dimensões: a cognociva, que busca representar a realidade por meio de conceitos e formas (símbolos); e os dados significativos, atribuídos à qualidade exercida ao próprio ser humano. Deste modo, a significação passa a ganhar uma valorização no que diz respeito à importância e à função para a realidade humana. Do contrário, se as produções simbólicas não ganhassem poder de valor, não existiriam de modo algum as áreas científicas, como as artes, a literatura, enfim, todas as facetas do conhecimento humano, pois elas existem e subsistem graças à significação que a elas é atribuída. 

No campo científico, a atividade simbólica do ser humano sempre se colocou como um importante mecanismo de estudo, seja no âmbito da psicologia, seja no da sociologia, da linguística etc. Utilizam-se aqui inúmeros recursos, como a própria perspectiva de buscar estabelecer critérios justos para uma ampliação do assunto, pois este processo de simbolização passa a equiparar também a própria sensibilidade humana, que, levada ao campo da consciência, passa a ser exteriorizada como um retorno representativo e avaliativo, formando conceitos e conjecturas sempre novas diante do mundo, da essência, do ente etc. 

Essa realidade simbólica é promovida pela sensibilidade, que identifica os objetos e a estes passa a atribuir conscientemente um valor e uma forma. Encontramos sua força na intelectualidade, na ética, na religião, na linguagem, na arte, enfim, na própria manifestação sensorial do espírito humano. Para tanto, identificam-se em especial duas manifestações desta sensibilidade: a linguagem e a arte. Vejamos suas compreensões no âmbito das suas funções significativas. 

O homem, desde que adquiriu esta consciência histórica e promissora de possibilidades simbólicas infinitas, é também compreendido como um ser de relações, seja com o próximo, seja para com o próprio mundo externo. Consequentemente, para que se aprimore este nó de relações, é necessário ao homem um estabelecimento de decodificações, para que se edifique evolutivamente uma melhor comunicação, seja na relação sujeito e objeto, seja na relação homem e seus semelhantes. 

A linguagem tem por meta e função facilitar a relação entre a realidade simbólica, a cultura, o conhecimento, a religião, a comunicação etc. É por meio do estabelecimento de uma linguagem que o homem passa a gravar e informar, comunicar sobre a cadeia histórica das suas realidades de valor, simbolizadas através de suas convenções culturais, morais etc. 

Por vezes, a arte – que é a própria expressão exteriorizada do sujeito que busca manifestar sua experiência do mundo sensorial e da fantasia em um determinado campo de manifestação – passa a identificar, nesta dimensão, imensas capacidades estéticas, valorativas, qualitativas etc. Isto se deve à estabilização com que esta forma de manifestação se impõe sobre o próprio ser humano, ou seja, a arte utiliza todos os recursos sensoriais, como o olfato, a visão, o tato, o paladar, a audição, e todos os equipamentos de conhecimento, que se tornam, no processo criativo, imensas ferramentas auxiliares e fundamentais para que se produzam grandes fontes criativas e significativas no mundo da arte. É por este motivo que se valorizam, diante da manifestação artística, o belo, o harmônico, o agradável. O fator de destaque é que o homem, sendo uma complexidade de dimensões, na simbolização do mundo passa a utilizar todos os seus mecanismos. Deste modo, ele passa a experimentar o mundo e até mesmo a recriá-lo para o estabelecimento de valor, de significação.

Essa atividade simbólica, que é fruto da exterioridade e da subjetividade humana, não é forçada, mas natural, ou seja, tem relação própria com a natureza humana. Com isso, negar ao homem sua condição de experimentar, recriar, interpretar o mundo segundo a consciência cultural é negar-lhe a sua própria condição humana. A compreensão de tal fato faz-se extremamente importante para o processo educacional, que deve ser auxiliado por esta exposição do indivíduo no mundo, a fim de que sejam despertadas realidades simbólicas, suscitadoras de juízo, valores e formas, esferas fundamentais para a construção de cidadania.

Por meio da compreensão histórica e sociológica em torno do processo de linguagem e significação que o homem enquanto ser subjetivo direciona para a realidade objetiva, encontramos um pleno desenvolvimento das faculdades dele enquanto ser que pensa, fala, conhece, interpreta e recria um mundo paralelo além das aparências.


A ética do justo meio

A conceituação aristotélica da felicidade como a vida racional virtuosa, o bem supremo do homem que se concretiza na sociedade política, não deve nos conduzir à falsa conclusão de que o filósofo preconiza um controle repressivo da razão sobre as inclinações irracionais da alma humana. Ao contrário, Aristóteles não apenas reconhece a importância dos apetites e das paixões na vida dos homens, como atribui ao desejo uma condição motriz no ser humano: os homens são seres desejantes cujas ações visam sempre a um fim agradável ou não doloroso. Aproximando-se naturalmente do que promete prazer e evitando o que acena com a dor, os homens revelam sua semelhança com os animais. Porém, relacionando-se adequadamente com o prazer e a dor, afirmam-se como seres virtuosos.

O homem virtuoso não ignora o prazer e a dor, estabelecendo, isto sim, uma relação racional com ambos, pela qual experimenta os sentimentos certos nas ocasiões pertinentes. Ao invés do conflito entre razão e desejo, temos a confluência de ambos, de tal modo que não se deseja nada além daquilo que é condizente com a finalidade da vida, ou seja, sente-se prazer em agir virtuosamente. 

Nessa perspectiva, o filósofo situa a mediania moral como ponderação entre os extremos, localizando o vício na carência e no excesso. O vício é o contrário da virtude. Enquanto esta é a excelência moral, o que, em Aristóteles, consiste na vida racional do homem em sociedade, o vício é a imoralidade do homem. Como vimos, de acordo com a filosofia moral aristotélica, o bem situa-se sempre na natureza, é conforme o que é natural, e o mal é o que se desvia do que é prescrito pela natureza. Assim, se a finalidade natural humana é a existência racional, o homem que se movimenta somente pelas paixões perverte sua natureza, enredando-se nos vícios.

A mediania ou, como é mais conhecida, a ética do justo meio corresponde ao ajuste entre a intensidade dos sentimentos experimentados pelos indivíduos e as exigências apresentadas pelas situações. Portanto, dentre as virtudes enumeradas por Aristóteles, estão a coragem, a generosidade, a brandura, a espirituosidade e a moderação, que são termos médios, respectivamente entre temeridade e covardia, prodigalidade e mesquinhez, irascibilidade e desalento, bufonaria e indelicadeza, e desregramento e insensibilidade.

A coragem é a virtude do homem que teme as situações que, de fato, devem ser temidas, por apresentarem riscos desnecessários para si e para as pessoas de sua comunidade, mas que não hesita em enfrentar os perigos quando as circunstâncias exigem tal postura para a preservação do bem comum. O covarde, por sua vez, a tudo teme, aterrorizando-se com quaisquer ameaças, ainda que sejam mínimas ou improváveis. Na outra extremidade, o temerário excede-se em ousadia, expondo-se a toda sorte de situações adversas e comprometendo a própria finalidade da vida ou, o que é pior, muitas vezes fazendo questão de exibir uma coragem que sequer sente. 

Justa medida igualmente é a generosidade, que consiste no uso apropriado dos recursos financeiros em benefício das pessoas que necessitam e que têm merecimento para tanto. O generoso dispõe suas riquezas ao bem comum nas ocasiões certas, sem negar aos outros auxílios ao alcance de suas possibilidades e sem se desfazer de seu patrimônio em gastos supérfluos. Na deficiência da generosidade existe a mesquinhez, o apreço exagerado aos valores econômicos, impedindo a cessão de dinheiro em circunstâncias que justificariam as doações. Em sentido oposto age quem é tomado pela prodigalidade, que desperdiça seus bens materiais utilizando-os sem critérios, frequentemente empregando-os com pessoas e situações impróprias, ou mesmo em quantidades que ultrapassam largamente sua base financeira. 

A brandura, por seu turno, é a virtude relativa à ira. O homem brando sente cólera nas ocasiões que assim o exigem, quando, por exemplo, alguém de sua estima é vítima de uma injustiça, manifestando-a de modo ponderado e sem inclinar-se a procedimentos vingativos. Desalento e irascibilidade são os vícios dessa paixão. No primeiro caso, constata-se a indisposição de indignar-se ante quaisquer situações, por mais absurdas ou agressivas que sejam. No segundo caso, a cólera assume proporções descontroladas e não diferencia os acontecimentos que realmente a solicitam daqueles em que esse sentimento é inoportuno, estendendo-se ainda para além dos momentos em que a ensejam e, comumente, resultando em ações profundamente ofensivas.

A espirituosidade é o meio termo entre a indelicadeza e a bufonaria. Indelicado é quem não reage educadamente em encontros sociais de entretenimento, persistindo em um mau humor explícito nas mais descontraídas conversações. O bufão, por outro lado, destaca-se por valer-se de sua irreverência com o propósito de chamar a atenção para si, fazendo de tudo objeto de diversão e, com isso, tornando seu humor desmedido e sua presença inconveniente. Nessas questões, é o espirituoso quem procede com mediania (equilíbrio), conduzindo-se de maneira bem-humorada e divertindo-se com outros nas ocasiões que favorecem a descontração sem o risco da vulgaridade. 

A moderação ou temperança, por fim, concerne aos prazeres do corpo – bebida, alimentação, sexualidade –, aos apetites que são comuns aos seres humanos e aos animais em geral. Remetem, portanto, claramente às relações entre razão e desejo sob o prisma aristotélico da virtude, pois a moderação pode ser definida justamente como a harmonização do desejo com a racionalidade, na qual os prazeres são vividos na intensidade e nas ocasiões oportunas, sem carências ou excessos. Uma vida pervertida nos prazeres corporais excessivos incorre no vício do desregramento, pelo qual o homem mistura-se à animalidade. Uma vida que despreza completamente os prazeres corporais – situação muito rara, segundo Aristóteles – é acometida de uma insensibilidade que nega a própria natureza humana.


O homem como ser político

Essa definição da felicidade como atividade humana racional tornasse mais compreensível se a situarmos na concepção teleológica aristotélica, segundo a qual as coisas transcorrem adequadamente se seguem o curso determinado pela natureza, no qual os inferiores são submetidos aos superiores e o todo é sempre mais perfeito do que as partes. Para Aristóteles, a natureza dispõe a fêmea ao domínio do macho, o escravo ao domínio do senhor, as crianças ao domínio dos adultos e a alma irracional ao domínio da alma racional. A vigência da razão virtuosa, por seu turno, é viável apenas na sociedade política, naturalmente superior aos indivíduos, portanto.

Em seu livro A política, Aristóteles descreve essa hierarquia natural a partir das relações domésticas, a primeira unidade social para a qual se inclinam os seres humanos (2002, p. 9-65). No interior desses núcleos familiares, escravos, crianças e mulheres estão sob a dependência do homem livre, ou melhor, submetidos, respectivamente aos poderes despótico, paternal e marital. Nessa ordenação natural, sublinha-se o predomínio da razão sobre aquilo que é irracional, caracterizando uma supremacia que se verte em benefícios para todos. 

O poder paternal sobre os filhos e marital sobre a esposa é justificado pela carência de razão das crianças e das mulheres, que, consequentemente, dependem do comando racional do homem – pai e marido – para a condução de suas vidas, com a única diferença de que os descendentes do sexo masculino, ao alcançarem a idade adulta, serão plenamente capazes de usar sua própria razão, emancipando-se do princípio racional paterno. 

Não é diferente a fundamentação aristotélica do poder do senhor sobre os escravos, explicada na suposta inferioridade natural destes últimos, que, conquanto capazes de perceber a razão em seu senhor, não conseguem jamais fazer uso próprio da razão, limitando sua contribuição à sociedade ao labor de seus corpos. Desse modo, ainda que o poder do senhor sobre o escravo, despótico, seja exercido para atender somente aos interesses do primeiro, a dominação é estabelecida pela natureza em benefício de ambos, pois o escravo teria pior sorte se fosse entregue a si mesmo. Não sendo naturalmente capaz de liberdade, tem no senhor a dimensão racional que lhe falta. Sendo a virtude sempre algo conforme a natureza, o mérito do escravo é resignar-se ao domínio do seu senhor, executando devidamente os serviços que lhe são ordenados.

Nesse sentido, Aristóteles estende sua argumentação à composição da pólis ou sociedade política, compreendida como construção prescrita pela natureza aos homens, não apenas por permitir maior estabilidade econômica e segurança militar, mas, sobretudo, pela finalidade de promover o bem viver dos homens, ou seja, a vida racional virtuosa. Dito de outro modo, assim como escravos, crianças e mulheres não têm autonomia e não podem existir por si, mas somente integrados no poder da sociedade doméstica, os indivíduos e as associações intermediárias não existiriam verdadeiramente fora do todo, quer dizer, da sociedade política para a qual são naturalmente propensos. O poder político, por sua natureza, diferencia-se dos poderes despótico, paternal e marital. Esses poderes domésticos, afinal, são exercidos por um superior sobre seus inferiores, e, além disso têm por fim o benefício específico de alguns, enquanto o poder do Estado é partilhado entre iguais, os cidadãos, e visa o bem comum. 

Essa sociabilidade inscrita na natureza dos homens, na qual os seres humanos realizam concretamente sua humanidade, exprime-se no conceito de philia, sobre o qual Aristóteles discorre em Ética a Nicômaco (2007, p. 235-264). Definida pelo filósofo como uma das exigências indispensáveis da vida, pois não seria pensável alguém escolhendo uma existência sem amigos, a philia ou amizade é discriminada em três tipos, de acordo com os motivos nos quais se sustentam: o útil, o agradável e o bem. 

Na amizade alicerçada na utilidade, os amigos se vinculam apenas por interesses próprios, ou seja, pelos benefícios que se possam extrair da relação, sendo que esta termina tão logo deixe de oferecer vantagens às partes envolvidas. Situação análoga verifica-se na amizade que se sustenta naquilo que é agradável, isto é, no prazer que se obtém na companhia do outro, sem que haja um afeto autêntico entre os amigos, pois desaparecendo o bem-estar que a presença de determinada pessoa proporciona, encerra-se também a amizade que se sente por ela. Ambas as formas de amizade, erguidas sobre a utilidade ou sobre o agradável, são imperfeitas, segundo Aristóteles, porque não existem pelo que os amigos são em si mesmos, mas pelo benefício pessoal ofertado pela amizade. 

A amizade perfeita é aquela em que os amigos se associam pelo afeto desinteressado que nutrem um pelo outro, desconsiderando-se qualquer benefício adicional que a relação apresente. Na amizade pelo bem, os amigos admiram-se pelo que, de fato, são e desejam o melhor um ao outro, constituindo-se o senso de comunidade no qual vigora a noção de bem comum, finalidade natural da sociedade política.